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João Medina

OS ESTORIS, a minha patria chica cosmopolita.

 


Talvez por ter passado a primeira infância numa cidade de arranhacéus, a Joanesburgo, fiquei desde então com o fascínio dum mundo oposto, o da aldeia grande ou da pequena cidade, desiderato que os meus exílios e expatriações duma vida pelo mundo em pedaços repartida me deram várias ocasiões de encontrar e ali residir.
Antes de mais, regressado ao meu Moçambique natal, vivi em minúsculas terreolas administrativas, como Inharrime e, mais tarde, Nacala-a-Velha, tendo de permeio, desde os meus nove anos, a Lisboa sonolenta dos anos 50, dividida a minha existência entre o Colégio Militar e a casa dos meus tios, numa aldeia perdida na Lisboa de então, aquele minúsculo bairro de Arroios entalado entre o largo do Leão e a igreja.

Depois, na fase dos anos de expatriação após o fim do curso universitário, conheceria Estrasburgo, na gélida Alsácia, uma cidade hostil, onde penei durante três anos na tarefa de escrever a minha tese de doutoramento, a qual, uma vez defendida, tomei o primeiro comboio Estrasburgo-Paris, tornando à pátria madrasta onde, apesar da Ditadura sempre coriácea, julgava poder fixarme, ilusão que depressa curei, retomando o caminho do desterro, agora numa outra aldeia grande como eu sempre ambicionara viver, a maravilhosa Aix-en-Provence, na mágica Provença,onde passei os quatro últimos anos do septenato de desterro,a dar aulas na universidade,à espera da queda da nossa Ditadura.
O Exílio, embora sendo a condição condição natural do homem, tem o paradoxo bizarro de poder ter todas as aparências dum Jardim das Delícias, não fosse a intolerável angústia de viver as “noites brancas” dum exilado.

Regressado D. Sebastião a Portugal com o 25 de Abril, tornei finalmente à minha terra, donde só partiria, quase vinte anos depois, para um novo ciclo de andanças pelas Américas e Europa, a ensinar em várias universidades, o que me permitiu experimentar outros paradigmas de cidades, primeiro na soturna Baltimore, depois, numa curta estadia em São Paulo, onde encontrei o horrível pesadelo da megalópolis, e, por fim, por duas vezes, na tão amável Providence, pedaço encantador da Nova Inglaterra onde o meu coração ficaria para sempre preso pela memória e pela gratidão aos meus anfitriões: Providence era, de novo, a vida num Jardim das Delícias de tamanho duma grande aldeia culta, poliglota e de várias religiões, adorável microcosmo cosmopolita, interétnico e multicultural que sempre considerei o habitat intelectual e orgânico dos espíritos livres.

Fechado este ciclo de peregrinações europeias e americanas, tornaria a Portugal, acabando por abandonar uma frenética avenida lisboeta para escolher, isto há vinte anos atrás, o poiso definitivo dos Estoris, até que, em 1990, acabei por abandonar Lisboa e aqui me fixar, primeiro na Rua Dom Bosco e, por fim, nesta azinhaga sinuosa que sobe da rua do Viveiro até à Rua do Minho, numa colina do alto da qual vejo o Tamariz e Sintra, com a sensação de que era esta a Ítaca que eu sempre procurara, aquele terno e luminoso recanto aldeão, ao mesmo tempo cosmopolita e amenamente provinciano, onde sabe bem viver o dia a dia, passeando por ruas limpas e formosas, desde o Jardim dos Passarinhos ao campo de golfe, calcorreando a avenida de Saboia, debaixo dos jacarandás lilases, tomando sem pressa um café numa esplanada onde ainda se pode saborear as delícias regaladas de uma vida sem stress.

Esta, sim, é a minha nova Aixen-Provence sem o travo amargo do Exílio, reconstruída na linha, e isto num espaço cosmopolita,de muitas nacionalidades aqui fixadas ou imigradas, num cosmo multicultural interétnico devido à presença de velhas comunidades estrangeiras residentes no concelho (inglesas, germânicas, norte-americanas), gente das classes médias altas e de outrospontos da Europa ocidental, sem esquecer a revoada de refugiados judeus que, durante o pesadelo duma Europa assolada pela Suástica, veio acoitar-se aqui,
razão de ser do Espaço Museu dos Exílios com que em boa hora o Estoril naturalmente se dotou, e onde, sobretudo nos últimos anos, desde a descolonização,convivem imigrantes africanos dos antigos PALOPS (angolanos, caboverdianos, guineenses) e a crescente imigração brasileira, mais o simpático mundo do leste europeu (ucranianos, moldavos e russos), estratos sociais estes particularmente escolarizadas nos níveis secundário e superior,além de admiravelmente aptos a assimilarem uma língua tão diferente da sua.

Aqui, sim, tenho, finalmente, a minha tão procurada “patria chica”, como dizem os Espanhóis, ou seja,aquele recanto que, no interior da “patria grande”, está mais perto do nosso coração e a nossa vida mais se enraiza, como um pe ímetro pessoal que sentimos ser realmente o nosso, aquele onde cultivamos deveras o nosso canteiro.

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