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Nadir Afonso

Artista Plástico

Mestre Nadir Afonso, aos 91 anos ainda pinta?
Eu penso que a perceção das coisas, aquilo a que chamam sensibilidade, essa, persiste. Não se esgota facilmente. Para lhe responder: o que eu faço agora é recapitular todo o trabalho de 70 anos. Eu sempre trabalhei, não fiz mais nada!
De maneira que olho [as telas] e a hipersensibilidade persiste ou até aumenta. A hipersensibilidade nota por vezes certos defeitos, certos erros [nos quadros] … porque a arte tem leis, ao contrário do que dizem os estetas – que a liberdade do criador é absoluta, que há liberdade do artista.

Sempre foi atento aos detalhes?
Exatamente, às leis que regem a obra de arte. E hoje passo em revista todo o meu trabalho.


E o que é que faz?
Ora aí é que está o “golpe de teatro”. Eu olho e muitas vezes sinto que há erros de composição e, então, retoco. Para responder: o meu trabalho hoje? Eu não faço nada de novo! Mas olhando para os quadros antigos eu vou retocando aqui e acolá. Às vezes sinto que o quadro atingiu o absoluto da sua composição. A composição está certa, olho, sinto prazer de ver as peças de maneira exata, harmoniosa,… Mas muitas vezes isso não acontece e sinto erros. E então retoco.

Quando diz que uma obra de arte tem leis, são leis universais ou de acordo com o seu autor?
Na essência são leis matemáticas. O artista universal - não o artista regional, que segue a originalidade – interessa-se pela exatidão matemática. E são essas leis que procura. Claro que os estetas não estão de acordo com isto. A meu ver, as leis essenciais da arte são leis de exatidão, universais. As outras não: são leis regionais, como a perfeição, a originalidade.
O conceito de perfeição de um português não é o mesmo de o de um chinês. Uma tulipa negra para nós tem originalidade, para um holandês não.

Formou-se em arquitetura antes de enveredar pela pintura.
Quando fui às Belas Artes do Porto, com 18 anos, levava debaixo do braço a minha inscrição como pintor. Tive a pouca sorte de encarar com um funcionário que viu que eu vinha de Chaves e diz-me: “então, com o curso dos liceus vai inscrever-se em pintura? Oh homem! a pintura não alimenta”. Isto há 70 anos.
Cobardemente aceitei a sugestão: rasguei a inscrição em pintura e fiz o requerimento para arquitetura…
Tirei o curso, fui para arquiteto mas fui sempre um desastre. Pintava desde os 4 anos. Tenho competência na pintura, mas nas diversas atividades que interessam aos homens, história, geografia, politica,… fui um “atrasado mental”. Só me dediquei a tentar compreender as leis da pintura.


A formação que teve de arquitetura ajudou-o a perceber essas leis de exatidão que defende serem as da pintura?
Talvez tenha razão, mas eu não sei. Estamos ambos a falar de uma faculdade que é o raciocínio, mas a arte não é racional. A arte é sentida. De maneira que para lhe responder sinceramente: não sei se o sentimento que eu tenho na pintura foi influenciado pela arquitetura.


Por volta dos anos 40, o mestre candidatou-se a um lugar de arquiteto na Câmara de Cascais, não foi?
Mas fui reprovado. (risos) Tive muita sorte! Senão estava a fazer arquitetura, como funcionário, tinha-me distraído da minha carreira de pintura. Assim, tive dificuldades económicas mas fiz uma obra. Isso foi importante, na minha opinião.


Há umas obras suas adaptadas em painéis de azulejos que forram as paredes de um túnel aqui em Cascais. Que pensa do enquadramento da sua obra naquele lugar?
Tive sorte. Não há dúvida nenhuma que quanto mais a obra do individuo aparece em público, mais ele é conhecido e mais se valoriza.

Gosta de ver a sua obra em contato com o cidadão comum?
Sim. Mas isso devo-o ao Dr. Capucho, ele é que se lembrou daquilo. Já lá fui várias vezes. Há dez de um lado, dez do outro e está bem escolhida.


Gostava de saber o que pensa da arquitetura da Casa das Histórias Paula Rego, conhece o edifício? O que lhe diz a sua sensibilidade sobre aquele edifício?
É horrível – a forma, a cor. Mas não há nada a fazer: sempre que saio da minha obra e me debruço sobre o trabalho de outros artistas não sou muito lisonjeiro. Acho a arquitetura execrável, mas já me habituei.


Agrada-lhe a ideia de um museu que consagre toda a obra de um artista? Ou só se for um Da Vinci?
Sim… Agrada. É melhor ter a obra de Da Vinci num museu do que misturada… E depois há uns críticos de arte que metem-se no negócio,… [silêncio] uma função que é responder às necessidades do homem… A arte da arquitetura tem de ser funcional, responder às necessidades do homem. A função da pintura é outra.


Até que ponto as suas raízes transmontanas influenciaram a sua arte?
Lá está! Como disse há pouco, a arte é intuitiva. Está a fazer uma pergunta à razão: haverá influência do meio sobre o artista? Não sei responder. Mas há indivíduos que respondem logo, já pensaram nisso.
Não sei até que ponto o meio social tem influência na criação… Mas a minha impressão é que não há interferência. Evidentemente que se um desgraçado não come, tem uma vida desgraçada, pode não criar uma obra – isso é evidente, mas não vou mais longe que isso.
Se estive em Paris trinta anos, é natural que haja influência – mas não sei.


É muito crítico do seu próprio trabalho?
Sim. Faço crítica a mim próprio. Ponho-me a namorar um quadro, o que pode demorar muito tempo. Às vezes faz-se luz no meu espírito e sinto que há um erro e retoco. Mas nem sempre. É como se fosse um puzzle. Eu penso que já fiz mais de mil obras. Se tiver duas dúzias de que gosto, já estou satisfeito.


Um quadro é uma obra aberta?
É… Mas às vezes sinto que atingi o absoluto. E fico surpreendido. Olho para quadros meus antigos e digo: Caramba! Acertei. Não há nada a pôr, nem a tirar.


Como é que é o processo de criar um quadro de raiz?
Oh!... certamente que pensou nessa pergunta hoje. Eu ando a pensar nisso há 60 anos. Não sei. Tenho uma tela branca. Não há nada. Posso começar por lhe meter um círculo, mas isso é arbitrário.
[Laura Afonso, mulher do pintor, explica: “As primeiras formas que são lançadas no papel são arbitrárias; depois a partir de uma certa altura criam-se relações entre elas, e umas formas chama outras. E é dentro desse chamamento que evolui o quadro.]

Qual é a relação desses quadros com os nomes que lhes dá?
Nalguns há uma sugestão direta, outros é porque há uma necessidade de identificar. Mas é inconsciente.
Faço um quadro e tenho de lhe dar um título, para o identificar. Num quadro, o título é secundário, não é essencial. O essencial é a matemática. Mas nisso ninguém acredita. Essas leis matemáticas não são aprendidas pelo raciocínio mas pela tal hipersensibilidade… Nós [artistas] formulamos uma relação de formas dentro das leis matemáticas.


Tem também publicado livros com reflexões – que escreve à mão -, onde diz coisas controversas como “a luz não tem velocidade constante”, “o tempo não existe, há apenas movimento e espaço”… Essa perceção adquiriu-a agora ou é algo que atravessa a sua carreira?
Está bem-feita a pergunta. Eu penso, mas não tenho a certeza, que tenho andado a meditar nisso há longos anos. Penso que o tempo não existe já há muitos anos, mas só aos poucos consegui traduzir em palavras esse sentimento. Hoje tenho já uns textos com uma solidez que o justifica. Ao encontrar-me em frente de uma tela vazia, sempre me interroguei e ainda hoje me interrogo: porque é que ponho um traço?


Já tem resposta para essa pergunta?
Andei muitos anos à procura, a sentir essa necessidade. Hoje tenho vários textos onde explico: há uma lei de exatidão que deve ter origem física. Eu sou impulsionado por um sentimento estético, mas esse sentimento deve ter uma causa física de procura de equilíbrio. Comecei a descobrir que essa exatidão tem origem nas leis (físicas) da gravidade – o caule da árvore, sobe vertical em direção à superfície da terra, que é horizontal.
Comecei assim a compreender que a essência das leis que regem a obra de arte são as leis da física que regem a natureza. Mas andei muitos anos a procurar isso. A essência da obra de arte, a meu ver, está nas leis matemáticas.


A criação também tem uma fórmula matemática?
É uma matemática intuitiva. Num círculo ela já aparece. Um círculo é uma forma que tem um ponto central equidistante dos pontos periféricos. O quadrado é uma figura cujo centro está a igual distância dos quatro lados e quatro ângulos iguais. O artista universal encontra as leis com a sensibilidade e não com o raciocínio. Com o raciocínio só se descobre o círculo, o quadrado…


Dos artistas plásticos mais conhecidos há nomes que mais aprecie?
… Max Ernst, Giorgio de Chirico, eles encontram muito bem as leis da geometria. Van Gogh também, mas pintava uma obra num dia e eu penso que, às vezes, é preciso namorar um quadro. Ele é um grande pintor mas às vezes metia água…. (risos)
A harmonia das formas é apreendida pela intuição. Há quem olhe para os meus quadros e não sinta nada, não lhe dizem nada.
Em compensação há mulheres – a mulher é muito mais sensível – que gostam da harmonia desses quadros.


Agrada-lhe o projeto de ter um centro cultural na sua terra de origem, Boticas e a sede da Fundação com o seu nome em Chaves?
Agrada. É prova de que há mais alguém que admira os meus quadros, e é já uma satisfação.

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