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Maria Vitória Oliveira

Maria Vitória Lopes Kaizeler de Oliveira tem 77 anos e é natural de Setúbal, mas reside em CAscais desde os doze anos e não hesita em dizer que Cascaie é a sua terra.

Filha de pais portugueses, tem sobrenome alemão que herdou do seu avô paterno que nunca chegou a conhecer. Um dia quis o destino que o pai, pescador de profissão, viesse trabalhar para Cascais e que mais tarde tomasse a decisão de aqui se fixar definitivamente com toda a família. Desses tempos, lembra que eram oito irmãos, quatro rapazes e quatro raparigas e que a mãe tinha uma saúde frágil que a impedia de trabalhar fora de casa sendo, por isso, o pai o único sustento do lar. Quando veio para Cascais, Maria Vitória tinha apenas doze anos. E, embora não se consiga lembrar com rigor do ano em que nasceu, traz bem vincados na memória os anos difíceis da sua meninice. Quando fala do seu percurso de vida parece que os sonhos de criança nunca passaram por ela: “Nunca na minha vida fui à escola. Nunca aprendi a ler, nem em criança, nem em adulta. Só me lembro de querer muito arranjar um trabalho para ajudar a minha família”. Nessa altura, a sua imaginação era sempre povoada por imagens ligadas à venda de peixe. Tinha treze anos quando começou a ajudar o pai e outros pescadores que chegavam à praia da Ribeira, em Cascais, com as chatas carregadas. “Apanhava a sardinha que caía das chatas, desemalhava a que ficava presa às redes, salgava e gelava o peixe. Foi assim que comecei” recorda Maria Vitória. Pelo seu trabalho não recebia dinheiro, apenas algum peixe oferecido para levar para casa. “Passávamos muito mal, não tínhamos para comer.
Com quinze anos ainda cheguei a ir servir para uma casa, mas percebi que o que gostava mesmo era de vender peixe.” E assim foi: “Comecei a vender com a canastra à cabeça cheia de sardinha que na época custava 20 escudos, o equivalente hoje a 10 cêntimos. Três carapaus custavam dez tostões”. A maior parte das vezes descalça – “porque não havia dinheiro para sapatos” - , Maria Vitória ia a pé para Sintra e Lourel vender o peixe. De volta a Cascais trazia favas, couves e outros legumes que as pessoas lhe ofereciam.
Era assim que passava os dias naquele tempo. Lembra-se também das suas idas à Doca Pesca comprar peixe e de trazer os sacos cheios no comboio. Fazia tudo com o mesmo objetivo: ajudar a família.
As vendas na banca do mercado de Cascais começaram quando Vitória chegou aos vinte anos. “Mas o que eu gostava mesmo “Mas o que eu gostava mesmo era de andar com a canastra à cabeça, de apregoar embora fosse proibido vender peixe na “rua” confessa a peixeira ganhando fôlego à medida que é assaltada pelas suas memórias. “Tenho até uma história engraçada que se passou em Cascais”, prossegue Maria Vitória, “de um certo dia, já no fim da venda, entrei no António de Alvide com a canastra onde levava ainda algum peixe.
Fui apanhada por um polícia que me agarrou o braço…” Maria, que nunca foi mulher de se deixar ficar, reagiu desafiando a autoridade: “Atirei-lhe com a canastra à cabeça!” Como consequência esteve detida oito dias na esquadra de Cascais. “Fui depois presente ao juiz, mas não fui para o Calhariz no carro da polícia, o agente levou-me de comboio. Acabei
por ser absolvida. No intervalo o juiz saiu da sala e convidou-me para ir lanchar à Portugália. Apaixonou-se por mim e andou-me a namoriscar durante quatro anos. Eu era uma  jovem vistosa e magra. Gostava muito de dançar e era muito divertida.” Acabou o namorico com o juíz mas não a capacidade de Maria Vitória fazer rodar olhares. “Quando passei a
ganhar um pouco melhor, comecei a usar os aventais bordados e as chinelas típicas das varinas. Até fazia parar o trânsito” diz divertida.
Há já alguns anos doou quase todos os seus aventais ao Museu do Mar, em Cascais.
Hoje, Maria Vitória é uma das únicas representantes do seu tempo. “Sou uma das vendedoras mais antigas do mercado, mas há ainda, pelo menos, mais três da minha geração.” Quando começou a vender no mercado havia menos vendedores e mais freguesia. “Tinha muitos fregueses, mas com a concorrência das grandes superfícies já não se vende tanto, embora ainda consiga manter alguns clientes de antigamente. Alguns apenas continuam a espreitar as bancas mas não compram nada.” A rotina, essa, mantêm-se inalterada, indiferente aos altos e baixos dos ciclos económicos. “Continuo como sempre a chegar ao mercado antes das 6h00, para arrumar o peixe na banca. O mercado abre às 6h30 e a essa hora já se veem clientes. À quarta-feira e ao sábado é quando se vende melhor. No resto da semana não ganhamos para a despesa que temos. Antigamente não se pagavam tantos impostos. Já me aconteceu algumas vezes ir para o mercado e não conseguir vender nada”.
Quando fala em dinheiro Maria Vitória prefere exprimir-se “em contos de reis” em vez de euros, e explica que num sábado de julho ficou com 50 contos de peixe para vender (douradas, robalos, tiras de choco, peixe-espada).
Quanto à recente requalificação do mercado, Maria Vitória pensa que poderá trazer mais fregueses. “Agora, aos sábados costumam aparecer grupos a cantar”.
A caminhar para os oitenta anos, Maria Vitória já pensou em deixar de trabalhar e ir para casa descansar. Mas gosta do convívio do mercado, dos seus colegas e dos fregueses. Com um sorriso irónico conta que “já está farta de dizer aos colegas que quando morrer quero que me ponham uma sardinha no caixão”. Casada com um pescador que andou ao mar durante 50 anos, a peixeira não tem dúvidas de que o seu marido “era o maior pescador de Cascais.” E quando Cascais se prepara para celebrar mais uma edição das Festas do Mar, a varina recorda as festas do seu tempo gabando-se de ser quase sempre ela a ganhar os prémios. “Vestia-me muito bem à varina, usava carrapito e era muito magrinha”.
Maria Vitória é mãe de três filhos mas nenhum escolheu a profissão dos pais. Acredita que eles têm uma vida melhor do que a dela. Há 65 anos a viver no concelho, esta mulher com uma vida ligada ao mar não hesita: “Cascais é a minha terra”.

Cascais Digital

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