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Simonetta Luz Afonso

Diz-se que as palavras são como as cerejas.E a verdade é que durante uma hora de conversa com Simonetta Luz Afonso abordaram-se quase todos os temas com a inspiradora baía de Cascais como cenário. Cultura, património, identidade, turismo, as cidades e a sua regeneração, conceitos que estiveram em debate no seminário “Turismo e Modelos de Gestão do Património”, que coordenou no âmbito do XI Congresso Internacional de Reabilitação do Património Arquitetónico e Edificado fizeram naturalmente parte da conversa com o “C”. Mas também o design, a música, o cinema e a criatividade dos portugueses. Faltou a literatura…“mas a literatura está subjacente a tudo isto”. Simonetta Luz Afonso exerceu os cargos de conservadora dos Palácios Nacionais da Pena e de Queluz, foi comissária da Europália Portugal 91 e na Expo 98, presidiu ao Instituto Português de Museus e ao Centro Internacional de Estudos para a Conservação e Restauro de Bens Culturais. Antes de se reformar, em 2008, teve ainda tempo de assumir a direção do Instituto Camões durante quatro anos. Ocupa hoje a presidência da Assembleia Municipal de Lisboa.

A Dr.ª Simonetta Luz Afonso já foi munícipe do concelho. Mantém uma ligação forte com Cascais?
Já vivi no concelho, vivi no Estoril. Mas continuo a vir muito a Cascais porque tem uma oferta muito interessante para crianças e adultos. E é walking distance, está bem organizado. Aliás, quero felicitar a Câmara de Cascais que, ao longo dos anos tem tido uma estratégia concertada de recuperação do Património. O exemplo mais recente é a Cidadela e resultou num conceito muito interessante, ao congregar a hotelaria, o lazer, a recuperação do Património, o museu. Foi feito um trabalho de base importantíssimo, com escavações arqueológicas e um grande cuidado e respeito pela História. A Cidadela é, por isso, um exemplo inteligente de como dar vida às instituições, garantindo a sustentabilidade. Os edifícios têm que ter uma nova função. E o que se pretende não é construir cidades para o turismo, isso são as chamadas aldeias-fantasma, que deram os piores resultados ao longo século XX – e ainda este século se cometem dessas asneiras. O que se faz é recuperar a vivência das cidades, vilas, regiões com os seus habitantes, e com um espaço para o turismo.


Cascais apresenta uma situação singular, com uma grande concentração de equipamentos culturais num perímetro específico…
O que é muito interessante… o Museum Mile, em Nova Iorque, é assim e funciona muito bem. Aqui tiveram sorte porque os edifícios estão muito perto uns dos outros, mas também houve a inteligência de os recuperar e de criar um itinerário cultural no centro de Cascais. Porque o que os turistas querem quando visitam uma cidade é perceber como as pessoas vivem, como é que viveram, como é que convivem com a sua história. É essa fórmula que tem interesse para uma vila como Cascais, com grande potencialidade turística, geradora de receitas. Agora, se começamos a ser subservientes em relação ao turismo, também matamos a galinha dos ovos de ouro, porque não é isso que as pessoas querem. Querem sim sítios como este, com uma vida própria, quotidiana, mas também uma diversidade de lazer para vários gostos.


Que riscos podem estar associados ao excessivo peso do Turismo?
Acabar por se dar mais importância ao turismo em detrimento dos habitantes. E os habitantes têm que estar envolvidos, caso contrário o turista torna-se uma espécie de ser antipático, que tem mais dinheiro, que usa os espaços que eles não podem usar… tem que ser partilhado e o habitante tem que ver no turista uma mais-valia.
Portugal já é uma referência enquanto destino cultural?
É. Aliás, os índices de subida do turismo têm sido enormes ao longo de todo o ano. De acordo com alguns dados recentes, 40% do turismo que vem para a região da Grande Lisboa é turismo cultural. Ou seja, as pessoas vêm precisamente para um turismo de cidade. Querem viver com os habitantes. Para este facto, sobretudo em Lisboa, penso que contribuiu bastante o nascimento dos hostels, que resultam do aproveitamento de casas que estavam vazias no centro histórico, e que foram recuperadas e transformados em hotéis bons, mas com um custo baixo. Nem todo o património construído antigo, que temos imenso, pode ser transformado em museu! É preciso encontrar formas inteligentes de tornar a sua recuperação sustentável e de o tornar vivo e vivido pelas pessoas.


E Cascais, acha que também já é procurada pela sua oferta cultural?
Acho que sim, as pessoas já conhecem. Mas temos que ter consciência de que a oferta principal é a Grande Lisboa. As divisões dos concelhos na cabeça de um turista não funcionam. Isso são questões administrativas. O que eu acho é que as câmaras da Grande Lisboa têm que se juntar e criar uma oferta conjunta, porque é uma oferta muito diversificada e que se complementa. É evidente que as pessoas quando vêm a Lisboa, também vão ao Estoril e a Sintra, não podem deixar de vir. São sítios que já viram na televisão… por exemplo, as grandes regatas de vela que houve agora projetam muito a imagem da região. Estes grandes eventos são necessários, e se custam muito dinheiro têm que ser conjuntos. O Tejo, e já aqui o oceano, é o que nos une, toda esta gente de cá e de lá está unida por uma grande estrada de água que é o rio Tejo. Há esta relação com água que é muito interessante.


Qual é a identidade de Cascais, o que é que marca a diferença?
Cascais tem um substrato muito interessante: do século XIX ligado à vilegiatura, depois ali no Estoril a história do século XX relacionada com o jogo, a guerra, a espionagem que está plasmada até em grandes romances policiais. São histórias recentes que as pessoas gostam de ouvir e tudo isso pode ser usado a favor de Cascais. Mas uma característica interessante é que não estagnou como vila de vilegiatura do século XIX. Conseguiu dar o salto. A Paula Rego é uma grande atração em qualquer parte do mundo, as pessoas vêm de propósito ver o museu, a arquitetura. A própria escolha do arquiteto Souto Moura, prémio Pritzker, foi excelente. Há uma vontade de atualizar, que é muito interessante para quem visita.


Cascais está atualmente a fazer a revisão do PDM. Acha que Encontros como o do CICOP podem influenciar a decisão política?
Eu penso que esta discussão que vai haver entre grandes especialistas é sempre benéfica e é muito importante que se faça precisamente numa altura como esta em que estamos a discutir todas estas questões: a sustentabilidade, o futuro do património, como encontrar soluções para este património, que pode ser um peso, mas também uma fonte receita.


No momento que o país atravessa tem-se notado algum abrandamento do investimento do Estado nessas áreas…
Mas não pode ser. O Património e a Cultura são importantíssimos, são uma espécie de marketing de um país ou região. Quando vou a um país e vejo o Património degradado, fico com um mau retrato desse país. O Património de um país é a sua identidade e essa identidade tem que ser preservada. Temos é que encontrar formas inteligentes e atuais de preservar essa identidade. Sabendo muito bem o que estamos a fazer e sabendo salvaguardar o que é importante, temos que encontrar soluções em que todos contribuem. É preciso o Estado e as Câmaras fazerem um investimento inicial e mostrarem que estão empenhados, para ganhar a confiança dos investidores. Não é verdade que em tempos de crise ninguém investe. Mas as pessoas só investem se tiverem a certeza de que o Estado acompanha. É preciso perceber as novas tendências, hoje as pessoas já não compram casa, alugam, por isso a reabilitação é um negócio rentável. Dessa forma se criam novos ciclos de vida nas cidades, aldeias, vilas…


Em que é que somos mesmo bons?
Nós somos mesmo bons na imaginação, às vezes o que não temos é capacidade de concretização das coisas, porque temos uma ligeira preguiça… mas hoje em dia já se vêm mais projetos a serem concretizados, há mais apoios, os jovens como não têm emprego acabam eles próprios por pôr a imaginação ao serviço do seu futuro e criam o seu próprio emprego. Penso que somos muito bons nisso, na criatividade. Agora, é preciso que essa criatividade seja bem orientada e apoiada, pelo menos numa primeira fase em que as pessoas são muito novas e não têm experiência.
 
Mas falta também alguma capacidade de projeção…?
Somos um bocadinho pessimistas e isso é mau. Às vezes as pessoas não avançam porque não acreditam que são capazes e é preciso dar-lhes força. Por outro lado, acho que as pessoas confundem o marketing com farolice, mas não é. As pessoas têm que saber divulgar o que fazem e têm que ter consciência das suas capacidades e dizer “eu sei fazer isto, sou bom nisto” e provar que o são.


É uma realidade que também se verifica na área da cultura, não? Temos boa música, bom cinema, ganham-se prémios lá fora, mas…
Ganham prémios, mas depois não entram nas salas! É preciso dar esse salto. A cultura é o cavalo de Tróia. Entra, mas depois é preciso quem vá atrás para potencializar aquilo que vai à frente, para garantir que é comercializado e reproduzido. A cultura é extremamente importante, abre portas. Por exemplo, o Fado ser Património da Humanidade foi muito importante porque chamou a atenção para a música portuguesa. E à volta do Fado fazem-se 100 mil coisas. É preciso fazer mais coisas destas, chamar as pessoas certas para construir as candidaturas. Nos filmes, temos prémios que já permitem um olhar diferente sobre os criadores de cinema português, mas as primeiras salas que deviam mostrar filmes portugueses são as nossas… e a televisão. Como é que se convencem 10 milhões de portugueses a exigirem cinema português nas salas, se não o conhecem? Eu vou sempre ver cinema português quando há, mas há pouco. Agora, como se faz é assim. É fazendo e não largando. Tem que se ter um projeto e ir atrás dele. Não se pode é estar sempre “stop and go”, a começar e a largar. Isto leva a tempo.


Há alguma área em que Cascais pudesse estar a apostar mais e não está?
Eu acho que a aposta está muito equilibrada. Talvez a sinalética devesse ser mais correta… essa é uma pecha portuguesa, a sinalética. Se eu fosse estrangeira não sei se chegando aqui me entendia. Era preciso criar em Cascais percursos pedonais que levassem as pessoas a ver determinadas coisas. Faz falta. Eu que conheço Cascais desde pequena não tenho dificuldade nenhuma, mas quem nunca cá veio pode perder-se. Por exemplo, o Museu da Música Portuguesa fica muito fora de mão e era preciso levar as pessoas ao Monte Estoril, que é muito bonito. Haveria que criar mais percursos dentro de Cascais. Mesmo na própria internet, a página podia ser mais trabalhada no sentido de fazer ligações do género “se gosta de ver isto, vá também ver aquilo”. Retrabalhar o “embrulho” da oferta.


Como seria um dia perfeito em Cascais?
Um dia perfeito em Cascais é muito o que eu faço. É vir aqui de manhã, dar um passeio pela Baía ou no Guincho, depois ir ver uma exposição, levar a minha neta ao Parque Marechal Carmona, ir à biblioteca municipal infantil que tem muitas atividades para crianças, ou ir ali ao Forte para ela brincar e eu ficar a ler um livro. Venho muitas vezes aos museus, que têm sempre coisas novas, com programas de fim de semana giríssimos. Comer umas refeições mais ligeiras, petiscos - que agora a oferta que não é tão “farta-brutos” - ir ali à Cidadela renovada, ir à Rua Direita fazer compras…há muita coisa para fazer!


 


[Entrevista originalmente publicada no Boletim Municipal "C" nº 14 - 19 de Julho de 2012]


 

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